REPRODUÇÃO DO TEXTO DE MARCOS AUGUSTO GONÇALVES SOBRE A EXPOSIÇÃO FERNANDO ZARIF
Galeria Millan, São Paulo, 1993*
Publicado no caderno Ilustrada do jornal Folha de S.Paulo, em 1º de junho de 1993
Zarif mostra sombras e reflexos na Millan
Três anos depois de sua última exposição, Chuva, 1990, Fernando Zarif mostra a partir de hoje, na Galeria André Millan, 10 telas e uma “instalação com esculturas”. Zarif não é um artista de classificação fácil: seu périplo pelos céus e infernos da arte tem um roteiro com voltas, revoltas e reviravoltas, passando pelo desenho, pela pintura, pela gráfica (é autor, entre outras, da capa de Tudo ao Mesmo Tempo Agora, LP dos Titãs), pelo texto, fotografia, performance e até por uma ópera criada para música eletrônica. Vozes e vídeo – realizada em 1984, com Décio Pignatari e Emanuel de Melo Pimenta, intitulada Frankenstern.
Essa multiplicidade de interesses, na falta de melhor ou pior classificação, valeu-lhe o rótulo de “multimídia” – termo em voga nos anos 80 para designar quem trabalhava simultaneamente com “linguagens” e meios diversos, e que acabou virando sinônimo de nada.
Em 1989, com a mostra Para]doxologia, na então Galeria Millan, Zarif fechou o foco sobre uma série de “esculturas”, cujo princípio construtivo incorporou-se definitivamente a seu trabalho: o uso duchampiano de objetos, “coisas”, sobras, partes de todo que, “inutilizados” (extraídos de seus sistemas utilitários originais) e transformados, reinvestem-se de significados para pôr em evidência – e em curto-circuito – as relações entre arte, vida e transcendência.
É exemplar deste procedimento, na mostra que se inaugura hoje, a “instalação de esculturas” que Zarif denomina “Auréolas”. É uma coleção de pequenos objetos (em geral em vidro ou metal, mas não apenas), quase sempre com formas circulares, mantidos em sua integridade original ou retrabalhados, fixados com pregos em proposital evidência e iluminados do alto, com luz paralela e próxima à parede – levando a uma projeção de sombras (alongadas, na parte inferior) e reflexos (na área superior).
O resultado é uma euforia: entra-se na galeria e depara-se com uma espécie de constelação de cintilâncias, que nos remete aos territórios do celestial e do místico, ao mesmo tempo que se seculariza em sua contingência material, em suas formas reconhecíveis de objetos-detritos, milagrosamente transformados em auréolas angelicais.
Completam a mostra dez telas (todas em formato 60 × 50 cm), nove delas em torno de mitos gregos, realizadas em técnica mista, reunindo esmalte sintético, folhas de ouro e… fios de perucas canecalon. A décima é uma surpreendente e inspirada “Monalisa”. “Na verdade, são três exposições numa só, num espaço sete por sete”, brinca Zarif, citando uma observação feita por Jac Leirner numa visita première. “As auréolas são uma, os gregos são outra e a ‘Monalisa’ sozinha é a terceira.”
… trecho do livro (págs. 64 a 85) em pdf – sem numeração nas páginas e sem páginas em branco